quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Frutos


Quase todas as árvores que existiam nos campos do meu avô davam frutos comestíveis. Logo à entrada do primeiro campo havia uma que dava pêssegos e mesmo ao lado estava a dos figos, as das maçãs e das peras ficavam em frente aos currais dos porcos e das vacas, nas traseiras da casa, eram umas árvores muito grandes; ao fundo do segundo campo ficava a das cerejas e ainda havia as árvores das ameixas brancas e ameixas roxas e a das ginjas, mas ficavam longe, na quinta da mata, onde eu não podia ir sozinha. De todos os frutos, os que eu mais gostava era das cerejas, aquelas bolinhas vermelhas emparelhadas que eu resistia em comer para poder enfeitar as minhas orelhas, os meus dedos e tudo aquilo que suportasse os graciosos pares. Na verdade, os figos eram o único fruto que não me interessava, não sei bem porquê, se calhar porque o achava feio, nem me atrevia a prová-lo.
Para mim as árvores tinham que ter sempre frutos, não percebia que só os tivessem numa determinada altura do ano, e tinham que os ter sempre maduros prontos a serem comidos, por isso, não ligava ao que o meu avô me dizia “não apanhes a fruta que ainda está verde”, pois sempre que eu via um fruto por mais pequeno que fosse, estava pronto a ser apanhado e devorado, exceptuando os figos que não gostava e as cerejas que não estivessem vermelhinhas, tudo o resto era para ser colhido e comido, não sendo de espantar, que de madrugada eu devolvesse à natureza a imaturidade que povoava as minhas entranhas. A minha mãe acordava estremunhada com os meus apelos de aflição e no meio de mais uma muda de roupa de cama dizia em voz baixa “eu não te disse para não comeres a fruta verde, faz-te mal à barriga”.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Nandita


Tinha sido padeira, a Fininha, agora era epiléptica, davam-lhe ataques, sobretudo quando se enervava, caía para o chão, esticava muito o corpo e torcia as mãos num sentido que não dava jeito, revirava os olhos para dentro de si e cerrava a boca com tamanha força que parecia que receava que a fala lhe fugisse, mas a boca tinha que ser aberta para não comer a língua, por isso era-lhe posto sempre qualquer coisa entre os dentes para evitar a fechadura da boca. O marido da Finhinha era o senhor Luís, um homem pacato e sorridente que saía todos os dias de madrugada com a marmita na mão a caminho da fábrica de metalurgia lá para os lados da Circunvalação.


A Fininha e o senhor Luís tinham dois filhos, um casal, a Nanda e o Luís. O rapaz era uma cópia perfeita do pai, sempre de dentes arreganhados, levava a vida o melhor que podia, depois de uns anos de estudo esforçado foi trabalhar para ganhar algum dinheiro, que entregava todo em casa. A Nanda, era a grande aposta da família, tinha uns longos cabelos loiros, olhos muito azuis, pele clarinha e corpo proporcionado, não era gorda nem era magra, era aquilo que se esperava de uma rapariga que era considerada a mais bonita do prédio e que a mãe, a Fininha, trazia sempre muito arranjadinha, a sua Nandita, como ela a tratava, era para aí uns seis anos mais velha que eu e era a grande mandona das brincadeiras da miudagem. A Nandita era um misto de menina bem comportada, sempre com um sorriso na boca, muito amável e prestável e de menina malvada que mantinha o seu adorável sorriso quando os miúdos eram derrotados nas brincadeiras em que apostavam ganhar.


A minha mãe sentia-se mais segura em deixar-me ir brincar para a rua quando lá estava a Nandita, mas eu sentia-me intimidada, aquela vontade incontrolável de partilhar das brincadeiras de rua esmorecia, a minha mãe insistia para eu ir, eu encolhia-me, até que a minha mãe tomava a pior das decisões, chamava a Nandita e perguntava-lhe se me deixava ir brincar com ela, e eu lá acabava por me juntar ao grupo, muito envergonhada, esperando as ordens da Nandita.