domingo, 29 de novembro de 2009

O Jesus está a ralhar


Não percebia porque é que nalgumas noites escuras se viam luzes e se ouviam sons que pareciam pedras aos trambolhões, a minha mãe assustada corria a fechar rapidamente todas as persianas e dizia-me que aqueles estrondos era a voz de Jesus, que estava zangado, e por isso estava a ralhar, e sempre que soava mais um grito de fúria ela estremecia e murmurava de si para si “Ai meu deus… nossa senhora de Fátima nos acuda”. Mas o meu pai não se deixava impressionar com a zanga de Jesus, e vendo que eu me escondia sempre que o céu se revoltava, decidiu abrir uma persiana contra a vontade da minha mãe e sentou-me no parapeito da janela, dizendo-me “Não precisas de ter medo da trovoada, é muito bonito, vou-te explicar o que é…”.


A partir daquele dia, quando havia trovoada, eu e o meu pai saltávamos para a janela para ver as acrobacias dos raios que iluminavam o céu escuro e ouvir os trovões, dava uns minutos ao meu pai para se concentrar e esperava pelo vaticínio, umas vezes a trovoada estava longe e vinha na nossa direcção, outras afastava-se, outras estava tão longe que não se ouvia, outras estava mesmo por cima. Eu, muito atenta, ouvia as explicações do meu pai e chamava a minha mãe para se juntar a nós, mas ela não respondia, escutava aflita as repreensões de Jesus prometendo não voltar a fazer asneiras.

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