sábado, 27 de junho de 2009

O que queres ser quando fores grande?


Brincava às casinhas onde assumia o papel de dona de casa, tal como a minha mãe, embora não fosse exactamente como ela porque eu achava que ela discutia muito com o meu pai, por isso era mais submissa e aceitava tudo o que o meu marido imaginário dissesse. Também era vendedora de mercearia quando brincava com as minhas vizinhas, vendia-lhes o arroz, os ovos, a fruta e tudo o que estas me pedissem, gostava especialmente deste papel porque eu é que decidia o que tinha ou não tinha para vender e o preço que cobrava. Quando brincava aos médicos, eu fazia sempre de médica, ouvia atentamente as queixas dos meus pacientes e decidia que partes do corpo tinha de ver e qual o tratamento que tinham de fazer, claro que as picas nunca faltavam e era eu que as dava, era uma forma de explorar o corpo das minhas amigas e ver as partes do corpo que estavam sempre ocultas, aquelas que os meus pais nunca me mostravam. Fazia sempre de índio no jogo dos índios e xerifes, construía a minha coroa de penas, que na ausência de penas eram substituídas por folhas de árvores que se uniam umas às outras com pauzinhos de fósforos até terem o diâmetro da minha cabeça e finalmente rematava com uma folha maior que ficava ao alto, e escondia-me para que os xerifes não me prendessem, gostava de ser índio porque era a peça mais importante do jogo e tinha a possibilidade de ganhar ao xerife, o que acontecia muitas vezes porque eu era muito boa em arranjar esconderijos e deste modo podia contrariar o que me ensinavam, de que os mais fracos perdiam sempre.


Já na escola, a minha família perguntava-me o que queria ser quando fosse grande e eu respondia que queria ser professora, e logo a seguir vinha a questão do porquê professora, a que eu respondia que era para bater nos meninos. Estava a aprender com a minha professora que a violência dava poder e parecia que eu queria ter poder, embora não soubesse bem para quê, talvez quisesse ser popular no seio das minhas amigas, o que não acontecia, talvez para combater aquela vergonha que me assaltava e me paralisava, talvez para que notassem que eu existia.

3 comentários:

  1. Imagina tu que eu queria ser carteiro... agora faz lá a psicológica interpretação da coisa em termos de que poderes andava eu à procura... :-)

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  2. Eras o mensageiro das boas e más notícias e como andavas de porta em porta podias sempre conhecer muita gente e partilhar com elas muitos segredos... no fundo, no fundo, acho que não fugiste assim tanto à tua vocação inicial.

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