quinta-feira, 30 de abril de 2009

Arouca # 1


A primeira coisa que eu fazia quando chegava a casa do meu avô que ficava em Arouca, era ir dar uma vista de olhos nos meus locais preferidos. Percorria com algum cuidado o caminho de terra da esquerda quem saía pela porta da cozinha porque a minha avó tinha visto uma cobra passar por ali, nunca mais esqueci e durante algum tempo não passei por lá, mas depois fui-me aventurando, mas sempre com atenção, o que eu fazia muitas vezes era passar a correr, muito rápido. Depois de ter percorrido este caminho que tinha uma leve inclinação, ia dar a uma curva, onde do lado direito havia um palheiro, era uma espécie de cabana de índios feita com canas de milho, não percebia muito bem para que se fazia aquilo, depois descobri que era uma forma de armazenar as canas que eram utilizadas para diversos fins, como por exemplo pôr no chão do curral onde estavam as vacas e os porcos, pois este ia precisando de ser renovado, geralmente o solo que estava com excrementos era utilizado como estrume para fertilizar a terra. Depois de passar este palheiro encontrava-se do lado esquerdo a porta do aido, que era uma porta de madeira que se abria accionando um pequeno mecanismo que consistia numa trave de madeira que estava presa à porta que por sua vez encaixava num outro pedaço de madeira do lado de fora quando a porta estava fechada, para se abrir a porta puxava-se a ponta da trave de madeira levantando-a que fazia com que desencaixasse do outro pedaço de madeira que estava do lado de fora e que no fundo fazia de fecho. O aido era tipo arrecadação, era um espaço amplo, com prateleiras de madeira construídas pelo meu avô, ali havia de tudo, cordas, parafusos, borrachas, paus, tubos, enxadas, foices, martelos, a bomba de sulfatar, as tesouras da poda e ainda batatas, cebolas e muito mais. O Aido era um espaço absolutamente imprescindível durante as minhas estadias na aldeia, quando queria algo era sempre ali que recorria e onde encontrava sempre alguma coisa.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Não avisou


A minha irmã nasceu num domingo de Outubro, a minha mãe deixou o meu pai sair e pediu à tia Mila para ir chamar a parteira porque o bebé ia nascer e assim foi, às 11h15 nasceu a minha irmã. Só a conheci três dias depois de ter nascido porque me recusava a vê-la e afirmava que a punha ao lixo. Todos diziam que era muito bonita mas eu não queria saber, não gostava dela e não a queria perto de mim, no terceiro dia aceitei vê-la, era cabeluda e pequenina, mas mesmo assim mantinha a minha intenção de a fazer desaparecer o que deixava os meus pais sempre alerta. Com o passar dos dias fui-me habituando à sua presença e aos poucos aproximei-me dela e comecei a tocar-lhe nas mãos minúsculas, mas os meus pais estavam sempre atentos às minhas movimentações próximas da minha irmã. Ela foi crescendo e eu nunca a coloquei no lixo mas muitas vezes lhe disse que não era filha dos meus pais e que tinha sido encontrada à porta da igreja o que a deixava a chorar e a gritar que tudo aquilo que eu dizia era mentira.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Três Janelas


Tinha feito seis anos há três meses quando entrei para a escola, era um sítio onde ia aprender muitas coisas, tinham-me dito os meus pais que me acompanharam à sala de aula no primeiro dia, mas só foram comigo naquele dia porque eu morava perto e a minha vizinha Zeza que era da minha idade e andava na mesma classe que eu me acompanhava. A minha sala de aula era ampla e tinha três janelas grandes que me deixavam ver as copas das árvores do jardim e o céu, estava ocupada com três filas de carteiras duplas de madeira de cor castanho escuro enceradas e que tinham um buraco ao centro onde se colocava o tinteiro com tinta azul escuro para se molhar o bico das canetas naqueles dias em que a senhora professora nos mandava fazer cópias com tinta permanente. Na parede em frente às carteiras estava colocado um grande quadro de lousa negro e pequenos pedaços de giz branco no rebordo inferior do quadro e por cima do quadro estava pendurado um crucifixo de tamanho médio e por baixo deste existia uma moldura com a fotografia de Marcelo Caetano. Próximo do quadro de lousa, estava a mesa da senhora professora, a Dona Gonçalina, que mesmo ao seu lado tinha uns mapas que mostravam o corpo humano e os seus órgãos e o planisfério. Na minha carteira da minha sala de aula da minha escola primária passei muitas horas a aprender a desenhar as letras, a fazer as contas de somar, dividir com e sem casas decimais, de multiplicar, a escrever os ditados e redacções, a desenhar castelos e príncipes e a pensar e observar. Quando chegava a primavera ouvia os passarinhos a chilrear e com vontade de os ver a saltitar olhava através das janelas da minha sala de aula para fora e assim me quedava a observar as folhas das árvores que cresciam devagarinho num verde clarinho e o céu azul celeste por vezes com nuvens de algodão.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Primeira Comunhão


Aos 6 anos, quando entrei para a escola os meus pais inscreveram-me na catequese que era como uma aula, mas mais curtinha, com cerca de uma hora que era dada na igreja em vez de ser na escola aos sábados ou domingos de manhã. Eu gostava muito da escola, da minha professora, a Dona Gonçalina, e das minhas colegas, da minha carteira na minha sala onde aprendia coisas que me fascinavam. Na catequese era tudo diferente, as colegas eram outras, a catequista não era professora e falava de coisas que eu não percebia muito bem, falava dos pecados e perguntava-me se eu fazia pecados. Mas o que queria ela dizer com aquilo? Eu não gostava daquelas perguntas porque não tinha resposta. Sentia-me desconfortável na catequese, se os meus pais não me tivessem obrigado a ir eu teria desistido e nunca teria feito a primeira comunhão. A repressão estava sempre presente, parecia que tudo o que se fazia tinha primeiro que passar por um filtro, nada podia ser espontâneo pois antes tinha que se analisar se era ou não pecado. Eu necessitava de ser livre e não iria ser o pecado que me impediria. Lá fiz a primeira comunhão contra gosto, mas também nunca mais me apanharam na catequese.

domingo, 26 de abril de 2009

Projecto Abstracto


Acho que ainda fazia parte de um projecto abstracto, poderia ser comparada com formas definidas como o Mino, o filho da Mariazinha que começava a dar os primeiros passos e emitia sons estridentes, poderia até mesmo ser idealizada mentalmente pela minha mãe e pelo meu pai, que mesmo que o fizessem juntos, cada um deles estaria a imaginar um ser diferente daquele que um dia iriam ter.