quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Depósito ambulante


O meu pai não suportava incertezas. Uma das que mais o irritavam era os gastos de gasolina do carro, não aguentava que o carro tivesse vontades, e gastasse uns dias cinco litros e outros seis a fazer o mesmo percurso, e por mais que perguntasse aos mecânicos, o valor que lhe davam era aproximado, e isso para o meu pai não servia, ele precisava de valores exactos, para ele não existiam aproximações, só exactidão.


Para tirar as teimas, decidiu fazer umas medições à sua maneira. Comprou um bidão de plástico branco de dez litros e com uma caneta de feltro preta de ponta fina fez as marcações de meio litro, um litro, um litro e meio, dois litros, e assim por diante até aos dez litros. Para isto usou uma garrafa de vidro de meio litro, que enchia com água e vertia para o bidão que estava apoiado numa superfície plana sem qualquer declive, depois da água deixar de fazer ondinhas dentro do bidão, apontava o bico da caneta de feltro preta à linha feita pela água e fazia um traço muito direitinho seguindo-se a inscrição – 0,5 – voltava a encher a garrafa com água e vertia-a novamente para dentro do bidão, depois da água se acalmar fazia mais um traço recto, um pouco maior que o anterior e à sua frente escreveu – 1,0 – e assim continuou meticulosamente até à última inscrição no bidão – 10,0.


A rolha do bidão que era de plástico não servia para o propósito da média dos gastos, teria que ser de um material que desse para furar e não deixasse passar ar, nada melhor que a cortiça, tendo substituído a rolha de plástico por outra de cortiça do mesmo tamanho e furou-a com todo o cuidado de forma a permitir que um tubo de plástico passasse à justinha. Também era preciso que o tubo chegasse quase ao fundo do bidão e que não enrolasse, sendo necessário um tubo que fosse de um material rígido o suficiente para permanecer hirto, mas ao mesmo tempo maleável para passar pelo buraco que o meu pai fez por baixo do porta-luvas que dava acesso à área do motor e que ia encaixar numa peça de metal donde o meu pai já tinha retirado o tubo que ligava o depósito da gasolina ao motor do carro, e que tinha tapado com uma espécie de tampinha feita com um pedaço de madeira.


O carro do meu pai passava assim a ter dois depósitos de gasolina, um que lhe pertencia de origem e outro que lhe foi imposto, que era ambulante e que ia entre as pernas da minha mãe.

2 comentários:

  1. Idiossincrasias... todos nós as temos.... esta parece tirada de um filme italiano neo-realista.
    bjs

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