terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A casa da Florinda


A casa da Florinda era muito diferente da minha casa, por ter quatro quartos era diferente, por ficar num rés-do-chão era diferente, por lá viverem seis irmãos era diferente, por tratarem o pai e a mãe por você era diferente.

A mãe da Florinda era padeira, transportava uma canastra na cabeça repleta de pão que era distribuído por todas as casas que o compravam, pela manhã saía para trabalhar tão cedo que eu nunca a via, ainda estava a dormir, mas via-a muitas vezes regressar com a canastra vazia à espera do amanhecer seguinte. O pai da Florinda trabalhava em alguma coisa que eu nunca descobri, nunca o via sair para ir trabalhar, ainda estava a dormir, mas via-o muitas vezes regressar com passos incertos como se o estivessem a enganar.

Em casa da Florinda as vozes eram sussurros e os olhares fugiam para a frincha do quarto onde o pai tentava acertar os passos. Não se falava do pai nem se falava para o pai, era como se aquele pai não existisse, era como se tivessem nascido sem pai. Eu tinha pena da Florinda, sempre achei que ela gostava de ter um pai diferente, mas nunca me atrevi a perguntar-lhe. Também não conseguia imaginar o que é que podia brotar da boca daquele pai alto, feio e vermelhusco, que muitas vezes fazia chorar a Florinda e os irmãos de dor e vergonha.

2 comentários:

  1. Este post fez-me lembrar de como gostava de ir a casa de amigos e colegas da escola. E de como sempre achava que eram melhores que a minha. Curiosamente também me cruzei várias vezes com o mesmo tipo de personagem (pai da Florinda). Umas vezes masculino, outras feminino.

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  2. Adelaide is BACK! E com ela voltaram as histórias sem fim...:)
    bjs

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