terça-feira, 28 de julho de 2009

O saco amarelo


Enquanto não fui operada à garganta, quando tinha cinco anos, estava muitas vezes doente com febre e a minha mãe achava que eu tinha de permanecer na cama e não sair à rua. A única forma que ela tinha de conseguir que eu permanecesse na cama era deixar-me ir para a sua cama, que era a cama dos meus pais no quarto dos meus pais. Eu adorava estar naquela cama que era grande, alta e o colchão abanava, e naquele quarto que me era quase sempre vedado, excepto aos domingos quando ia ter com o meu pai à cama pela manhã quando acordava. Mas só a cama e o quarto não bastavam para me entreter durante todo o dia, a minha mãe dava-me então as fotografias da família que estavam todas dentro de um saco amarelo em cima do guarda-vestidos. Como eu gostava de as observar, passava horas a tirá-las e a metê-las no saco, a juntá-las umas com as outras como que a construir pequenas histórias com aquelas personagens que pouco ou nada conhecia. De tempos a tempos comia uma colherada de gema de ovo batida com açúcar que a minha mãe fazia sempre que eu tinha dores de garganta, e que não podia estar em cima da mesinha de cabeceira porque eu comia tudo de uma vez, por isso às vezes fazia de conta que me doía a garganta para que a minha mãe me desse mais uma colherzinha daquela mistura tão docinha. E quando me aborrecia de juntar e separar a família do saco amarelo, brincava com os livros e cadernos de quando a minha mãe andou na escola, não sabia ler mas gostava de ver as imagens. Quando a minha mãe ia a correr fazer algum recado e me deixava por breves instantes sozinha em casa, eu pulava rapidamente da cama e abria os gavetões da cómoda, só olhava, não mexia em nada para que a minha mãe não descobrisse que eu tinha andado em sítios proibidos.

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